quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Futebol como paixão


'Éramos unidos. Íamos juntos ao cinema, ao teatro e depois sentávamos para tomar um chope e conversar sobre o que tínhamos acabado de assistir' -
Sócrates

Confesso que minha memória não é lá grande coisa - como a de minha mãe, que lembra de tudo. Mas há momentos que vivemos que são difíceis de esquecer, independente da idade, principalmente quando o assunto é paixão.

Recordo bem os idos de 1982, quando era um molecote de 5 anos de idade. Lembro de meu tio Nando, santista fanático, passando em minha casa na saudosa Vila Honório com sua super Caloi 10 dourada - cheia de marchas - para assistirmos os jogos no campo do 7 de setembro. Lá, era o barranco que acomodava os amantes do futebol de várzea andradense e que, vez por outra, recebia a presença de boleiros do sul de Minas e do leste paulista.

Lembro das brigas recorrentes no campo e das minhas discussões acaloradas - eu, um nascente democrata corintiano - com meu tio, então um saudosista do Santos de Pelé. Tudo em prol da paixão pelo futebol.

É. Foi nesta época, em que nem sabia o que era democracia, que vi nascer um time lá na fazendinha que me fez entender que futebol é bem mais que um esporte, ainda mais quando se trata do assunto no Brasil.

Vendo tudo aquilo, percebi que o Corinthians era mais que simplesmente um clube de futebol. O Corinthians representava um sonho de liberdade, um grito preso na garganta, a voz daqueles que viviam havia quase 15 anos na opressão, a parte de uma luta que não terminaria ali. Uma paixão pela vida e pelo país, que seria para sempre inesquecível.

A época era de luta pelo fim da Ditadura Militar e a Democracia Corinthiana, comandada pelo doutor Sócrates, empunhava a bandeira nos estádios, clamando pela participação popular na vida política do país. E eu, mesmo sem saber ao certo o que era tudo aquilo, me apaixonava cada vez mais por aquele time.

O bicampeonato paulista, em 82 e 83, em cima do São Paulo dava fôlego ainda maior à ideologia de que de uma sociedade participativa poderia nascer um país mais igualitário. Que a razão e a magia, como os toques de calcanhar do doutor, poderiam superar a força na construção de um mundo mais justo. Que a opressão não é imbatível, como revela o mesmo doutor em seu livro sobre o tema.

'Conseguimos provar ao público que qualquer sociedade pode e deve ser igualitária. Que podemos abrir mão dos nosso poderes e privilégios em prol do bem comum. Que devemos estimular a que todos se reconheçam e que possam participar ativamente dos desígnios de suas vidas. Que a opressão não é imbatível. Que a união é fundamental para ultrapassar obstáculos indigestos. Que uma comunidade só frutifica se respeitar a vontade da maioria de seus integrantes. Que é possivel se dar as mãos'.

Em 1990, após a fatídica derrota da seleção de Lazaroni para a Argentina logo nas oitavas-de-final da Copa da Itália, comecei a descobrir, entre lágrimas, o outro lado da moeda. Dias depois da eliminação do Brasil, lembro bem de um documentário exibido pela TV Cultura que mostrava a história das copas na era João Havelange.

Aos 13 anos de idade, vi que o futebol tornava-se mais um agente de manipulação das massas e de troca de favores entre os donos do poder mundial. O futebol não era mais paixão; virara negócio. E onde existe lucro - inclusive político -, não deve haver paixão. E para um torcedor e uma torcida apaixonada é difícil reconhecer isto.

A ascenção de Alberto Dualib e a parceria com Boris Berezovsky, o chefão da máfia do petróleo da antiga União Soviética decretou o fim do Corinthians paixão e o ingresso do clube em uma fase 'negócios', declaradamente escusos. Mas negócio é para quem é de negócio, não para quem é de paixão. E o Corinthians sempre foi e sempre será uma paixão. E deu no que deu.

Agora é preciso reinventar a Democracia Corintiana para lutar contra uma ditadura bem mais perversa que a militar. A luta agora é contra a ditadura economica, financiada, quase sempre, por acordos imorais - por vezes, ilegais - entre os charlatões do sistema financeiro e seus comparsas.

O saudosismo santista da era pelé em meu tio, agora reflete-se nos corações corintianos, que sempre preferiram um tempo onde se usava Topper e não Nike, se assistiam jogos pela TV Cultura e não pela Globo, se tinha um presidente apaixonado pelo time e não um bandido. Um tempo onde o futebol era paixão e não negócio.

Quando se discutia futebol no boteko e não em salas de reuniões sombrias no centro de Londres.


Imagens
- Democracia Corintiana entra em campo em 1982 com a faixa 'Ganhar ou perder: sempre com Democracia'
- O time da Democracia, em 1982. Em pé: Solito, Sócrates, Ataliba, Casagrande, Zenon e Biro-Biro. Agachados: Mauro, Daniel, Gonzáles, Alfinete, Paulinho e Wladimir.
Crédito: Todopoderosotimao.com

- Vicente Matheus na final de 1977 contra a Ponte Preta
Crédito: Reprodução/Istoé Online

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Política e políticos de boteko

Assisti o discurso do presidente Lula no Rio de Janeiro nesta sexta-feira (30), na reabertura do estaleiro de Niterói. Podem falar dele e do governo dele o que quiserem, não é isto que quero colocar em questão. Agora, que o homem tem o perfil de um bom botequeiro, acredito que não há tucano ou DEM (que nominho pro ex-PFL... meu Deus!...) que possa discordar.

Imaginem só o Alckmin tomando uma no boteko com a galera. Pra começo de conversa, acho que ele não aguentaria nem a primeira rodada da branquinha. E a Heloísa Helena na roda de samba, então!?!... Nem saia ela usa!!! Além de quê, acho que ela iria dar piti porque o surdo está fora de ritmo ou o tamborim muito alto. Algo do tipo.

Agora, o Lula deve ser um boa praça no boteko. Talvez, se ele entrasse no coro molharia um bocado a mesa e a porção de torresminho por causa da língua presa. Mas na retórica - e dizem as línguas midiáticas estadunidenses, 'naquela que matou o guarda' - o presidente é doutor.

Se ele fala até de futebol - assunto que tenho evitado até o momento aqui no blog por motivos pessoais - em discurso de lançamento de estaleiro, imagina no boteko, com um torresminho, umas Brahmas e aquela que vem lá de Minas. É incrível como ele consegue fazer brilhar o olho das pessoas mais simples com um discurso no mesmo tom que elas falam. Um quê de simplicidade é fundamental, para este interlocutor.

Sei que podem até me tachar de fazer propaganda política para o camarada. Mas imaginem uma cabritada no morro com FH falando do mau português falado pelo povo. O repertório da roda de samba ia ficar pobre, intimidado. Adoniran Barbosa e seu 'tiro ao Álvaro' seria praticamente banido. Bezerra da Silva então... seria excomungado. E a Falso Moralista, de Nelson Sargento, totalmente censurada. Afinal, não se pode cutucar a onça assim, com uma vara tão curta.

Talvez seja aí onde pecam os marqueteiros da oposição. Falar mal do Lula é falar mal do povo brasileiro; é assim que se entende lá no morro. E ele - o povo, não o Lula - nunca entendeu o discurso nem dos políticos, nem da mídia. CPMF, superávit primário, CPI. Estas siglas e expressões nunca estiveram no cancioneiro popular. Muito menos se fazem presente nas rodas de samba - a não ser por motivo de chacota, é claro.

Agora discurso onde se ouve 'franguinho e Sidra Cereser de Natal', como Lula fez lá no Rio, é praticamente um papo de boteko para aqueles que vivem uma vida simples, repleta de dificuldades. Mas que aprenderam a descobrir a felicidade na amizade do vizinho que banca a bebedeira após o enchimento comunitário da laje, no encontro da família no 'churrasco de natal' ou no copo sujo com os amigos no boteko do 'seu' Zé.

É uma questão de identificação. E de valores.

Para uns, valor está diretamente ligado a dinheiro. Negócio. Ou business, como dizem por aí. Afinal, 'time (e não é de futebol...) is money'.

Para outros, um torresminho, uma(ssss) cerveja(ssss), aquela que matou o Lula... ops... o guarda, amigos e a família é o que vale na vida. Afinal, não é todo Natal que precisa de ceia, vinho e bacalhau, como dizem Arlindo Cruz e Sombrinha, na voz de Beth Carvalho (ainda não consegui linkar mp3, então veja a letra aqui).


(Foto: O inesquecível Adoniran, em um dos botecos da vida - Se souberem o crédito, me escrevam. Procurei e não encontrei.)

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Arrastem os móveis da sala...

Fabinho Serapião mandou uma boa dica, que não posso deixar de repassar. Como bom sambista e futuro doido de redação, o moço citado aí em cima lembrou que amanhã (quinta) é dia do programa Ensaio, na TV Cultura. E a princesa Teresa Cristina e o Grupo Semente é que estarão cantarolando por lá. Imperdível.

Para este modesto interlocutor, a moçoila é, atualmente, a melhor cantora do Brasil. E, ainda por cima, é modesta. No release da emissora, Teresa diz que não é sambista legítima. Se alguém tem dúvida, é melhor assistir o programa.

(Foto: Verônica Peixto/Site oficial)

Um amor que não morre

Hoje acordei com a notícia triste do falecimento de um amigo. Amigo-irmão.

É uma sensação estranha quando conhecemos a história de vida da pessoa, desde sua infância. Lembro-me das excursões ao PlayCenter quando moleques, que não seriam as mesmas sem a presença dele - mesmo que ele tenha que pegar um táxi para encontrar o ônibus no meio do caminho. Das gincanas. Do trabalho - nosso primeiro - como office boy do Nego Risso. Da última vez que nos vimos, na Festa do Vinho. E de como ele sempre foi feliz.

Mário Quintana, em alma serena, dizia que a amizade é um amor que nunca morre. Prefiro também acreditar na amizade como um amor que nunca morre. Ele só se juntou a outros tantos. E temos a certeza que um dia nos veremos. E que tudo vai continuar... Como um papo de boteko.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Pra batucar na mesa

Tão importante quanto o colarinho do chopp e a qualidade da cachaça (sem contar a gordura do torresminho) , é a música que o boteko nos proporciona.

Os amigos - e acho que até mesmo os adversários, pois ainda desconheço os inimigos - sabem muito bem do meu (bom, sem falsa modéstia) gosto musical e da minha garimpagem eterna através de sambas de bamba.

Pois bem, esta semana fui surpreendido com o duo Kaica e Eduardo Vieira, com sua 'Sonora Madeira'. Auto definindo-se como um interstício promíscuo da palavra em prosa, verso e canto, a menina e o rapaz mandam uma versão de 'O meu amor', de Chico Buarque, em seu demo 'Sambas Azuis' que deixaria qualquer malandro de queixo caído.

'Sambas Azuis' revela ainda as virtudes da dupla em uma versão fox-trot de 'Três Apitos', que deixaria Noel Rosa praticamente sem tradução. Vale a pena conferir no blog da dupla.

Graças a Deus, tem gente que não deixa mesmo o samba morrer...


(Foto: Divulgação)

Boteko também é cultura!

Ah... a arte filosófica da mesa do bar. Quanta inspiração nos traz aquele copo sujo, um torresmo frito na hora do almoço (mesmo que seja degustado nas altas horas da madrugada), um dedinho de cachaça (lá de Minas...) e a masturbação mental dos amigos que desafiariam, sem falsa demagogia, qualquer assecla sofista.

Como cria dos botecos lá de Minas, onde me iniciei na arte dos prazeres etílicos praticamente após abandonar o peito materno, tenho praticado pouco - partindo de parâmetros mineiros - a arte retórica da mesa do bar.

Embora sempre busque exercitá-la, ultimamente mais nas folgas dos finais de semana, penso que o sábado – o dia mundial do flerte juvenil, que já não mais me pertence – não oferece ambientes propícios e inspiradores para os intermináveis debates sobre o amor e as relações conjugais, o samba e a cultura popular brasileira, a política e os canalhas que dela fazem parte, as questões relacionadas à sobrevivência do planeta – tão em voga, ultimamente, com a nova vedete midiática: o aquecimento global – e à subserviência de nosso umbigo.

Confesso que a consagrada (pela cultura estadunidense, é claro...) 'saturday night party' me torna pouco impetuoso se comparada àquelas quintas-feiras majestosas, quando o excesso de cevada e cana nos parece encorajar a soltar a plenos pulmões as idéias e ideais mais mirabolantes que os neurônios são capazes de produzir. E este é o preço, muito bem pago, pelas salivantes sextas-feiras à espera do fim-de-semana (exceto os dos plantões) que nos trará o ócio criativo – juntamente com a possibilidade de dormir até o meio dia, sem culpas.

Sem mais demora – e para evitar que nunca mais acessem o blog -, apresento esta página que tem a pretensão apenas de contribuir virtualmente para o enriquecimento desta arte milenar que se aprimora dia-a-dia seja nos botecos metidos à besta de Moema – onde tentam, mas nunca conseguem, me levar – aos homéricos “copos sujos” da mineírissima Andradas, com escala preferencial nas rodas pseudo-intelectualizadas e no ambiente maravilhoso que a Vila Madalena nos traz...

'Um brinde à cerveja. A causa e a solução de todos os problemas de nossa vida!...' (Hommer Simpson - Filósofo contemporâneo)

(Imagem: 'Boteco' - Pintura a óleo de João Werner)